Tuesday, February 14, 2012

o amor nos tempos do cólera [#2]

continuação de o amor nos tempos do cólera [#1]

antes uma observação: o desfecho ocorrerá somente na parte #3. isso se eu lembrar. porque quase esqueci de postar aqui a sequência abaixo. que preguiça. mas agora que começou, vai.

em tempo: se fosse compartilhar cada trecho que gosto desse livro, teria que digitá-lo todo aqui. é fascinante, mesmo.

bom, sem mais delongas, lá vai. sem imagens dessa vez.

Começou com a simplicidade da rotina. O doutor Juvenal Urbino tinha voltado ao quarto, nos tempos em que ainda tomava banho sem ajuda, e começou a se vestir sem acender a luz. Ela estava como sempre a essa hora em seu morno estado fetal, os olhos fechados, a respiração tênue, e aquele braço de dança sagrada sobre a cabeça. Mas estava meio desperta, como sempre, e ele estava sabendo. Depois de longos rumores de linhos engomados na escuridão, o doutor Urbino falou consigo mesmo:
- Faz uma semana que estou tomando banho sem sabonete - disse.
Então ela acabou de acordar, lembrou, e rolou de raiva contra o mundo, porque na verdade tinha esquecido de substituir o sabonete no banheiro. Tinha notado a falta três dias antes, quando já estava debaixo do chuveiro, e pensou em botar o sabonete depois, mas esqueceu o assunto até o dia seguinte. No terceiro dia tinha ocorrido o mesmo. Para dizer a verdade, não tinha se passado uma semana, como ele dizia para lhe agravar a culpa, e sim três dias imperdoáveis, e a fúria de ser apanhada em falta acabou de enraivecê-la. Como de costume, se defendeu atacando. 
- Pois tenho tomado banho todo o santo dia - gritou fora de si - e sempre tem havido sabonete.
Embora ele conhecesse de sobra seus métodos de guerra, desta vez não pôde suportá-los. Foi morar a um pretexto profissional qualquer nos quartos de internos do Hospital da Misericórdia, e só aparecia em casa para trocar de roupa ao entardecer antes das consultas a domicílio. Ela ia para a cozinha quando o ouvia chegar, fingindo qualquer afazer, e ali permanecia até escutar vindos da rua os passos dos cavalos do carro. Cada vez que procuraram resolver a discórdia nos três meses seguintes, só conseguiram atiçá-la. Ele não se dispunha a voltar enquanto ela não admitisse que não havia sabonete no banheiro, e ela não se dispunha a recebê-lo enquanto ele não reconhecesse ter mentido de propósito para atormentá-la. 

to be continued...

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